terça-feira, 1 de março de 2011

Leitura deleite

“Ploculando”
Desesperado, o chefe olha para o relógio, e, já não acreditando que um funcionário chegaria a tempo de fornecer uma informação importantíssima para uma reunião, liga para o cara:
– Alô! – atende uma voz de criança, quase sussurrando.
– Alô. Seu pai está?
– Tá... – ainda sussurrando.
– Posso falar com ele?
– Não – disse a criança, bem baixinho.
Meio sem graça, o chefe tenta falar com algum outro adulto:
– E a sua mamãe? Está aí?
– Tá.
– Ela pode falar comigo?
– Não. Ela tá ocupada.
– Tem mais alguém aí?
– Tem... – sussurra.
– Quem?
– O “puliça”.
Um pouco surpreso, o chefe continua:
– O que ele está fazendo aí?
– Ele? Ele tá conversando com o papai, com a mamãe e com o “bombelo”...
Ouvindo um grande barulho do outro lado da linha, o chefe pergunta assustado:
– Que barulho é esse?
– É o “licópito”.
– Um helicóptero?
– É. Ele “tlosse” uma equipe de busca.
– Minha nossa! O que está acontecendo aí? – o chefe pergunta, já desesperado.
E a voz sussurra, com um risinho safado:
– Eles tão me “ploculando”.

Tadeu, Paulo. Proibido para maiores: as melhores piadas para crianças. São Paulo: Matrix, 2007.

Curso de Leitura e Produção

Reportagem - Módulo 06

Escola Pública, ano 5.
(...)
Professora: Na semana passada, o trabalho foi feito em cima de quê?
Alunos: Manchete
Professora: Isso, manchete e... a gente ficou atento à manchete e ao olho da reportagem. Então hoje a gente vai ficar atento à inserção de vozes, a fala de alguém dentro da reportagem, sabendo que a reportagem não é a entrevista. Na reportagem, a gente tem resultados de entrevistas, depoimentos. Então, quando vocês estiverem lendo a reportagem hoje, vocês fiquem atentos a esses detalhes, certo? Então, eu vou ler uma reportagem pra vocês, que ela está dentro do suplemento infantil do jornal Folha de São Paulo. Foi editada no dia 22. 10. 05. O título é “Meninas X Meninos”.
(A professora realiza a leitura da reportagem Meninas X meninos).
Professora: Agora, a pergunta é: quem foi que falou sobre o quê? Quem foi capaz de guardar o que foi dito sobre esse assunto? Antes de mais nada, que assunto é essa reportagem?
Alunos: Diferenças entre meninos e meninas.
Professora: Diferenças entre meninos e meninas. E existem diferenças?
Aluno: Existem, muitas, porque os meninos é muito brigão, meninos tem preconceitos com meninas, meninas tem com meninos.
Professora: Menina tem preconceito com menino e menino tem preconceito com menina?
Aluno: Mas nessa história tem uma menina que consegue jogar bola com os meninos.
Aluno: Mas os dois grupos agem com preconceitos.
Professora: Os dois grupos agem com preconceito?
Aluno: As meninas tem preconceito com os meninos.
Professora: E os meninos, não?
Aluno: Ela não brinca com os meninos porque os meninos criticam elas e porque não agüentam as brincadeiras deles. E diz que menina não pode brincar de brincadeira de menino e aí eles pegam e já que elas não podem brincar com eles, também não podem brincar com elas.
Professora: O que é que vocês acham disso?
Alunos: Eu acho que é porque quando o menino brinca, aí machuca a menina e é uma confusão.
Professora: E menina não machuca menino, não?
Aluno: É porque, assim... Os dois...
Professora: E aí? Tem diferença: menino e menina?
Aluno: Tem. Tem menina que quando vê que tá perdendo, vai pra cima da pessoa. A gente brinca de vez em quando. Aí a gente vai pro campo jogar bola, aí a minha mãe vai pra cima e a mãe dele também, aí minha mãe me segura e diz que é pra jogar também, aí me derruba e me joga no chão, aí as meninas tome a fazer gol, tome a fazer gol. Aí quando eu pego a bola, eu empato tudinho. Aí começa a dá-lhe rasteira, jogar no chão.
Professora: E o que vocês acham disso?
Alunos: Que futebol doido é esse que segura um e joga no chão?
Alunos: Tem que saber se é ele que perdeu...
Professora: Agora, deixa eu perguntar uma coisa pra vocês em relação a essa reportagem. Vocês concordam ou discordam do que essas pessoas que deram depoimento aqui falaram?
Alunos: Eu discordo.
Professora: Discorda de quem e por quê?
Alunos: Eu discordo porque eles não devem viver brigando.
Professora: Presta atenção à pergunta: você discorda do que as pessoas que deram depoimento aqui falaram? Aí você concorda ou você discorda do que foi dito? Leio novamente?
Alunos: Eu discordo, porque diz aí que as meninas, os meninos, ficam fazendo... Aí eu acho que não deve fazer isso. Os meninos também tem que saber perder. Não ficar brigando.
Alunos: Não, mas tem algumas meninas que são muito impliconas também. Peraí, nem tem tanta santinha, santinha assim, não.
Alunos: Eles colocam os negócios aí pra quem lê não fique desunido pra menina não reclamar com menino e o menino não reclamar com a menina e não ficar brigando um com outro.
Professora: Você pensa que essa reportagem foi escrita com o objetivo de levar as crianças a refletir sobre atitudes delas na hora da brincadeira? (...) Alguém pensa diferente? Vocês concordam com Amanda?
Alunos: Concordo, concordo.
Professora: Ok. É... Ficou aqui bem enfatizado que as meninas quando perdem vão bater nos meninos.
Alunos: É... Dá tapa nas costas, puxa o cabelo, dá chute, dá murro.
Alunos: Mas, as meninas... Teve umas meninas que disse que quando perde até canta uma musiquinha.
Alunos: Isso aí já é pra provocar.
Professora: Ah... Isso já é pra provocar.
Alunos: Éeee.
Alunos: Teve um dia que a gente tava na quadra, meninos contra meninas. Aí a gente fez gol, aí as meninas começaram a reclamar, aí deu um carrinho na pessoa deu-lhe chute.
Alunos: As meninas também não ficavam paradas, aí começava a briga.
Professora: Agora, deixa eu perguntar uma coisa: por que quando começou a partida não misturou menino e menina?
Alunos: Sei lá, porque deixaram meninos contra meninas.
Alunos: Oh tia, agora... Quando os meninos e as meninas jogarem bola, assim também tem que saber perder, porque depois, por exemplo, os meninos tem que saber perder o jogo. Não é sempre que a pessoa ganha, não.
Professora: Olhe, eu não queria que a gente fugisse da reportagem. A reportagem diz aqui que tem o grupinho do futebol e o grupinho da panelinha. Por que isso?
Alunos: Porque as meninas gostam de brincar com comidinha e os meninos gostam de brincar de futebol.
Professora: E é isso mesmo que acontece na realidade?
Alunos: É não. É porque as meninas gostam de brincar de boneca e os meninos gostam de correr.
Professora: Licença. Todos os meninos gostam de futebol?
Alunos: Não, nem todos
Professora: Todas as meninas gostam de panelinha?
Alunos: Não.
Alunos: Na minha rua, professora, os meninos tavam conversando com as meninas, tudo tranqüilo... De repente, os meninos ficavam arretando as meninas, ficavam dando murro pra cá e ficavam um jogando pedra no outro, vum,vum, vum. Aí, minha mãe me chamou pra tomar banho, aí quando eu fui, aí a menina jogou uma pedra e bateu na cabeça do meu irmão, aí eu disse: vem embora. Dei uma pisa nele e pronto.
(...)
Professora: Agora eu vou ler... Agora essa reportagem também foi impressa no suplemento infantil do jornal Folha de São Paulo, sábado 18.11.2006, escrita por Patrícia Trucs da Veiga, Gabriela Romeu. A manchete: Preconceito, risque essa palavra do seu dicionário.
A professora realizou a leitura da reportagem “Preconceito: risque essa palavra do seu dicionário”
Professora: De que tema fala essa reportagem?
Alunos: O racismo
Professora: O racismo?
Alunos: O racismo com os negros.
Professora: Quem foram as pessoas entrevistadas?
Alunos: Dizem os nomes das crianças.
Professora: Quem lembra o que cada um falou?
Alunos: Jéssica falou que o menino não queria sentar perto dela porque era negra e iria tingir ele.
Professora: O que Jéssica disse?
Alunos: Que o menino tinha que sentar perto dela. Aí ela sentava perto dele e ele cuspia e dava beliscão nela.
Professora: O menino não queria que ela sentasse perto dele, por quê?
Alunos: Não tingir ele. A outra, o menino chamava ela de bruxa por causa do cabelo dela.
Professora: Era um menino que dizia isso ou eram os meninos?
Alunos: Os meninos apelidavam ela de bruxa.
Professora: E o que Marco disse?
Alunos: Tiravam onda, e chamavam de Macaco Aurélio. Samuel disse que o colega dele disse pra ele sair da brincadeira porque ele era negro e ele ficou calado. Se fosse eu, tomava umas providências.
Professora: Que providências?
Alunos: Dá-lhe um pau. Eu chamava a ROCAM, meu véi.
Professora: Ok, vocês lembram de mais alguém?
Alunos: Não, lembro não.
Professora: Ok, então as perguntas aqui sobre o que o texto trata?
Alunos: O preconceito.
Professora: E quem são as pessoas? No depoimento, o que foi dito?
(Os alunos dizem os nomes e lêem o que aconteceu com cada um).
Professora: (...) Foram trazidas falas de depoimentos de pessoas sobre esse assunto. Aí eu pergunto a vocês agora. Isso aqui é a inserção das vozes na reportagem?
Alunos: Não.
Professora: Isso é o quê?
Alunos: Um relato.
Professora: Apenas isso? A gente pode considerar uma reportagem?
Alunos: Não, isso é metade entrevista, metade relato.
Professora: Agora, a inserção dessas vozes, ela é importante dentro da reportagem?
Alunos: É.
Professora: Por quê?
Alunos: Porque fala a pessoa que pode dizer, por exemplo, o que aconteceu com a senhora.
Professora: E o que a fala de alguém dentro da reportagem vai contribuir para reportagem? Qual é a contribuição dessa inserção de voz na reportagem?
Alunos: Vai dizer o que aconteceu e que a senhora mesma vai contar.
Professora: Vocês concordam com ela?
Aluno: Eu entendo que nessas falas aí, que no texto tá dizendo como fosse assim, ele tava procurando as pessoas que foram atingidas pelo preconceito e o racismo. Aí, pra dar na reportagem e pra completar a entrevista.
Professora: Olha a fala dele, ele está dizendo que os depoimentos completam a reportagem. Vocês concordam com isso?
Aluno: Concordo.
Professora: Então, quer dizer que essa inserção de vozes dentro da reportagem, a gente pode dizer que ela tem esses dois papéis: uma de dar legitimidade ao assunto e outra de dar uma contribuição para ilustrar a reportagem, aquele tema que tá sendo abordado? Sim ou não?
Aluno: Procurando as pessoas que foram atingidas e pela entrevista que completa o assunto.
(...)

Folhinha UOL - São Paulo, sábado, 22 de outubro de 2005

MENINOS X MENINAS
Na escola ou nas brincadeiras, garotos e garotas ficam separados e reclamam uns dos outros

Cada um na sua turma

Daniel Kfouri/Folha Imagem

Meninos e meninas brincam de cabo-de-guerra em escola, em São Paulo

GABRIELA ROMEU
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Você já brincou de "menino-pega-menina"? O contrário, "menina-pega-menino", também vale. Esse antigo jogo de perseguição -um pega-pega em que garotos e garotas são rivais- retrata bem a disputa entre a turma do futebol e o time da panelinha. Na escola ou no condomínio, é comum ver meninos de um lado e meninas do outro. E, quando os dois grupos se encontram numa brincadeira, surgem as picuinhas: elas reclamam que eles "choram demais"; eles dizem que elas "só gostam de fofoca". Giovanna de Lolio, 7, prefere ficar com as meninas. "Não gosto de quando eles falam: "Vocês não podem brincar com esse brinquedo, é de menino'". E completa: "Acho que eles têm medo da gente". Mas nem toda garota gosta só de "coisa de menina". É assim com Ana Beatriz de Azevedo, a Nina, 9, que nem liga para boneca. "Prefiro brincar com os meninos, adoro futebol." Pedro Muarrek, 8, afirma: "Para uma garota, ela é boa jogadora". Lívia Mancini, 8, também joga futebol com os meninos, mas diz que não gosta nadinha de quando eles perdem. "Eles ficam chorando, sabe?" Daniela Huli, 8, emenda: "A gente não liga se perde e até canta a musiquinha: "Perdedor, mas com orgulho!'". Leonardo Assef de Melo, 7, rebate: "Mas as meninas ficam bem nervosas quando perdem na brincadeira". "E gostam de empurrar e bater durante a perseguição (ou 'menino-pega-menina')", lembra Vitor Miller, 8.


Folhinha UOL - São Paulo, sábado, 18 de novembro de 2006

Educação
Preconceito: risque essa palavra do seu dicionário
Não seja vítima nem vilã em uma história que quase nunca tem final feliz

Eduardo Knapp/Folha Imagem

Giovanna e Andressa se abraçam

PATRICIA TRUDES DA VEIGA
EDITORA DA FOLHINHA

GABRIELA ROMEU
DA REPORTAGEM LOCAL

Sabe quando uma história é sussurrada no seu ouvido? Foi assim, meio em segredo, que crianças negras contaram para a Folhinha histórias de preconceito racial que viveram.

Elas só toparam falar sobre o assunto porque o combinado era não revelar a sua identidade. Assim, alguns nomes são de mentirinha, mas as histórias -infelizmente- são bem reais.
Mas você já deve estar perguntando: o que é preconceito racial? O menino Anderson, 9, descobriu o que significa essa palavra de uma maneira bem triste.
"A primeira vez que ouvi essa palavra, preconceito, foi quando minha mãe ficou indignada porque contei que só usava o elevador de serviço." Por quê? "As pessoas diziam que negro não podia usar o elevador social", conta. "Aí ela me ensinou a dizer que eu tenho os mesmos direitos."

Ana, 13, vive faltando na escola. Sempre dá uma desculpa para não freqüentar as aulas, pois está chateada com as piadinhas de alguns meninos. "Ficam falando que sou uma bruxa por causa do meu cabelo", diz.
Às vezes, o preconceito começa no caminho da escola. Marco Aurélio, 11, conta que alguns colegas faziam piadas preconceituosas com o seu nome. "Diziam que meu nome era "Macaco Aurélio'", afirma.

Já Jéssica, 7, era beliscada e cuspida por um colega da perua. O menino dizia que ela não podia sentar ao seu lado porque iria "tingir seu corpo", por ser negra.

Samuel, 10, também sofre com o preconceito racial de outras crianças. "Uma vez, na escola, um menino branco mandou eu sair da brincadeira porque eu sou negro. E falou: "Aqui só tem branco, você não pode brincar aqui'." Samuel não disse nada. "Só saí de perto."

Silêncio
O silêncio não é a melhor solução, ensina Eliane Cavalleiro, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.
"Geralmente, a criança negra vive essa dor sozinha, porém deve pedir ajuda aos professores e aos pais. Ela também pode alertar o colega de que ele está sendo racista ou preconceituoso. E que racismo é um crime."

Estratégias de leitura

Leia atentamente o texto e responda as perguntas abaixo:

Com gemas preciosas para financiá-lo, nosso herói desafiou bravamente os risos escarninhos que tentavam dissuadi-lo de seus planos. “Vosssos olhos vos enganam”, retrucou, “um ovo e não uma mesa tipifica este planeta inexplorado!” E então três irmãs valentes se lançavam em busca de provas. Desbravando caminhos, algumas vezes através de vastidões tranquilas, mais amiúde em meio a picos e vales turbulentos, os dias tornam-se semanas – tantas quantas os vacilantes que espalhavam rumores a respeito do horizonte. Finalmente, não se sabe de onde, criaturas aladas e bem-vindas apareceram, anunciando um sucesso momentâneo.
In: “Texto e Leitor”, de Ângela Kleimann, ed. Pontes/ Unicamp


Responda:

• Quem nosso herói desafiou bravamente?
• O que tipifica este planeta inexplorado?
• O que fazem as três irmãs valentes?
• Quem anunciou um sucesso momentâneo?

Textos trabalhados com os amigos da leitura

A JARARACA, A PERERECA E A TIRIRICA; de Ana Maria Machado
Era uma vez – e era mesmo, porque já não é mais – um terreno cheio de mato, desses que existiam aqui perto até algum tempo atrás.
Não era bem na cidade nem era ainda na roça, era quase na metade, entre uma casa e uma palhoça.
E nesse terreno, com muito capim e um lamaçal, com umas flores e uma jaqueira carregadinha de jaca, acabaram de encontrando uma tiririca, uma perereca e uma jararaca.
A Tiririca era uma graminha rasteira, miúda e fuleira... Dessas que todo mundo xingava e arrancava do jardim, num trabalho sem fim. E que nascia sempre de novo. Feito coisa que nunca morre na boca do povo.
A Perereca era parecida com os sapos da lagoa. Mas pequenininha, sapinha à-toa. Uma sapa sapeca. Moleca. Fulustreca. Pra lá e pra cá, de pulo em pulo, de pinote em pinote. Como bola de papel quando leva um piparote.
Mas a Jararaca... ah, essa era uma bruaca. Uma dona perigosa. Uma cobra venenosa. Traiçoeira e preguiçosa.
Tão diferentes... Devia estar cada uma na sua. A Tiririca no jardim. A Perereca na lagoa. A Jararaca no mato. Mas vieram se encontrar no fim de uma rua. No mato, no lixo e no vazio de um imenso terreno baldio.
Uma rua ou uma estrada?
Difícil de dizer na verdade. Um desses lugares que já não são roça e ainda não são cidade.
E lá viviam as três, há mais de um ano e um mês. Cada uma sem se meter com a outra. Como quem chega, acha bom e fica. A Jararaca, a Perereca e a Tiririca. Mas aí chegaram os outros. E os outros eram os homens. Queriam a terra e o espaço.
- Vamos limpar este terreno! Sem deixar nem um quintal pequeno.
A Jararaca mais forte, logo declarou luta de morte. Não esperou nada. Deu logo um bote, num rápido pinote.
- Uma cobra! Pega! Acaba! Mata! Bate-que-bate. Vupt-vupt. Pegaram. Acabaram. Mataram.
Quando viu isso, a Perereca resolveu sair. E explicou para a Tiririca:
- Não pense que eu estou fugindo e deixando você sozinha. Mas é que alguém precisa estudar bem o inimigo. Saber seus pontos fracos. Escolher o momento de atacar. Aprender a brigar. Para ter chance de ganhar.
E lá se foi pulando. Do terreno para a estrada. Da estrada para o mato. Andou por aqui e por ali. Pelo Paraná e pelo Piauí. Pelo Oiapoque e pelo Chuí. Até que encontrou um sapo que lhe disse:
- Para bem combater, é preciso conhecer o terreno. E escolher onde somos fortes. Para nós, a beira d’água.
E ela saiu pelas águas. Andou, pulou e nadou. Por riachos e regatos. Brejos e pântanos. Ribeirões e fontes. Cachoeiras e cascatas. Igapós e igarapés – isso quando foi chegando no paraíso dos rios e das águas, a Amazônia. E foi lá que aconteceu uma coisa que mudou sua vida.
A Perereca viu a Pororoca. E nunca mais conseguiu parar de ver. Fascinada, deslumbrada, embasbacada, com aquela água toda tão movimentada e barulhenta, tão cheia de vida e espumenta. Acho que está lá até hoje, de boca aberta, babando. Do terreno e do inimigo nunca mais se lembrando.
A Tiririca ficou. Não era de briga e não brigou. Não era de medo e não se mudou. Não era de entrega e não se entregou. Só ficou.
Mas ficou pra valer. Viu o trator chegar e partir. A escavadeira trabalhar e sumir. A construção começar a subir. Dali não saiu.
E enquanto mais pensavam que arrancavam a Tiririca, mais ela deixava uma muda, uma semente, um pedaço de raiz na terra. Era seu jeito de ganhar aquela guerra. E ganhou.
O terreno virou prédio. Muito cimento e pouco jardim, que remédio? A pequena estrada que era de barro agora é rua asfaltada, toda entupida de carro.
Mas em cada canteiro, cada jardim, cada praça, cada vaso, cada xaxim, cada pouquinho de terra, a Tiririca ainda vence a guerra. Sempre brota novamente. Feito coisa que nunca some da lembrança da gente.
Fonte: MACHADO, Ana Maria. A Jararaca, a Perereca e a Tiririca. São Paulo: Ed. Quinteto, 1993.

ETAPAS DE PROCESSAMENTO DA LEITURA PROFICIENTE

Nível Literal (devem ser respondidas com as palavras do texto)
(L-1) Onde moravam as personagens? Comprove com um trecho do texto.

(L-2) Por que a Jararaca morreu logo no início?

(L-3) Por que a Perereca resolveu “sair”?

(L-4) O que mudou a vida Perereca? Você já tinha ouvido falar nesse fenômeno?

(L-5) Quem ganhou a guerra? Por quê?

Nível Interpretativo (devem ser respondidas a partir das entrelinhas do texto e das reflexões do leitor)
(I -1) Por que a Jararaca foi a primeira personagem a reagir contra a invasão? Justifique.

(I – 2) De que modo as três personagens poderiam ganhar a guerra? Explique.

(I – 3) Que tipo(s) de virtude(s) fizeram com que a Tiririca vencesse a guerra e as outras duas personagens não? Justifique.

(I – 4) O que a autora quis dizer com a expressão: “A Tiririca ficou. Mas ficou pra valer”? Explique.

(I – 5) Por que a Tiririca foi comparada a uma “coisa que nunca some da lembrança da gente”? Explique.

Nível Crítico (devem ser respondidas através da extrapolação do texto para a realidade)
(C-1) Que relação poderíamos fazer entre a aceleração desordenada da construção civil e o enredo do texto? Por quê?

(C-2) Levando em conta o conselho dado pelo sapo, poderíamos aplicá-lo na área de administração de empresas? Justifique.

(C-3) Poderíamos relacionar esse texto à causa ecológica? Como? Explique.

(C-4) Qualquer pessoa (dependendo do contexto) pode comportar-se como a Jararaca, a Perereca e a Tiririca? Justifique.

(C-5) Sob que aspecto esse texto pode contribuir para o Ensino Universitário? Explique.



ONDE TEM BRUXA TEM FADA...
Bartolomeu Campos Queirós
Era um momento em que todos dormiam - até as ruas.
Ninguém, nem mesmo as folhas ou os ventos, viu a fada chegar.
Pela manhã, Maria do Céu acordou com o Sol. Saiu só e cedo para saber em que cidade estava. Percorreu ruas e praças entre o povo.
Maria do Céu confundia a todos.
Uns diziam:
É bailarina
É artista de circo que anda em arame
É moça de novela
É visita de outras terras.
Outros teimavam que era
Resto de Carnaval
Garota-propaganda
Cigana que tira sorte.
“O mundo mudou”, pensou Maria, idéia vinda do céu. “Nem mesmo os meninos conhecem as fadas e seus poderes”.
Maria do Céu, agora fada sem trabalho na Terra, passeando pelas calçadas, pensava em coisas simples de fazer:
Sorvete de sonho
Algodão-doce de nuvem
Sapo virar príncipe
Vestido com finos fios de ouro e prata
Carruagem de abóbora
Bicicleta para passeios aéreos
Jardins com flores e falas.
Mas Maria do Céu, que tudo podia, nada fazia. É que as fadas só realizam encantamentos quando pedimos. E ninguém pedia coisa alguma...
Maria era uma fada que olhava e gostava de saber das coisas. Assim, escutando, ela descobriu que outros mágicos tinham invadido a Terra e faziam coisas incríveis:
Bicicleta com trote de cavalo
Chicletes com vitaminas do super-homem
Refrigerante com sabor de vitória
Televisão com poeira de guerra
Petróleo com gosto de sangue
Míssil mais feroz que a ambição.
Eles diziam onde as pessoas deveriam guardar seu dinheiro. Então o dinheiro crescia, crescia, crescia e ficava tão forte que os homens podiam comprar tudo: casa, carro, viagem, roupa, voto, poder, glória ”sem entrada e sem mais nada”.
A fada do céu sentiu que não tinha tamanhos poderes. Seus encantamentos só eram coisas de alegrar coração...
Maria, fada na Terra, adormeceu pensando em retornar ao azul e ser novamente idéia. Ela estava segura de que na Terra não havia mais lugar para fada especializada em produzir alegrias.
Os mágicos – prometendo o céu na Terra – davam tantas tarefas aos homens que eles não tinham tempo para saber que faltava tempo para a alegria nascer.
Maria do Céu, triste como o poente, amanheceu pronta para partir no último raio de Sol, ao entardecer.
Mas justo nesse dia ela encontrou um amigo. Menino que lhe pediu para aprender a ler e escrever sem ir à escola. Coisa muito fácil para uma fada vinda do azul.
Com um gesto breve e leve, Maria encostou uma ponta da estrela na cabeça do menino.
A alegria do menino foi tão grande que aprendeu ainda geografia, história, astronomia e política.
Maria do Céu não partiu no pôr-da-noite. “Ficarei mais um dia”, pensou ela, “para usar mais a minha vara de condão.”
Acordou pela manhã, feliz como um aluno em recreio, e saiu só, sem rumo, rua adiante. E ao primeiro menino ofereceu os seus poderes.
- Não – disse o menino. – Quero aprender a ler e a escrever na escola. Ontem – continuou ele – um colega aprendeu sozinho e foi levado pelos doutores para tratamento em hospital. Eles disseram que ele sabia mais do que devia. Não sei o que farão com ele! Talvez tome injeção de esquecimento. Com isso, fiquei com medo de saber.
O coração da fada disparou e só noite conseguiu organizar esta idéia:
- Menino só pode saber das coisas que já foram testadas pelos adultos. Na Terra não se pode aprender nada pelo coração. Ah, os mágicos! – exclamou Maria.
Maria não gostou de seu pensamento. Ela tinha certeza de que todos podemos saber muitas coisas só olhando o mundo. E menino aprende muito mais. Menino tem olhos novos e coração descansado.
Naquela noite, o silêncio não deixou Maria dormir. Com o pensamento livre, ela pensou o mundo secretamente. Pensou e viu que só se pode ser fada na Terra. Ser idéia no céu não adianta nada. É como ser homem sem corpo na Terra.
O silêncio de Maria pensou ainda sobre os mágicos que moravam na Terra. Eles só fabricavam magias convenientes para eles. E, para facilitar a produção, eles enchiam o coração dos meninos de esperanças. Quando uma esperança começa a morrer eles fabricam uma nova.
A esperança passou a ser uma certa doçura que sossegava a todos.
Assim, Maria do céu resolveu morar na Terra e se fazer fada definitivamente.
Maria, sabendo agora das manhas dos mágicos, tinha no rosto um riso quase de raiva.
Desceu para a praça, lugar onde o povo parava para pensar a esperança, vendo nas vitrines desejos de todas as cores, reuniu em roda os meninos e disse:
- Sou fada. Vivi antigamente na Terra, fazendo virar verdade todos os sonhos dos homens. Teci cobertores com cantos de passarinho, para menino dormir um sono de floresta. Construí cidade de doce. Eram ruas cobertas de chocolates e casas de amor-em-pedaços. Dos chuveiros caíam fios-de-ovos ou eram cheias de mel as piscinas. Viajei com amigos para o fundo do mar, escutando canto de sereias ou montando em cavalo-marinho. Dei poder aos sapateiros para construírem botas-de-sete-léguas para menino correr o mundo. Casei príncipes com princesas em casas de anões ou em palácios reais. Um dia, saí da Terra para um repouso. Hoje voltei e posso atender a qualquer pedido. Peçam!
Mas menino algum abriu a boca.
Eles estavam misturados – assustados e encantados com os poderes da fada Maria do Céu.
De repente, um gritou:
- Quanto custa, quanto?
- Nada – respondeu a fada.
- De graça? – perguntou outro.
- Sim – falou a fada. – Eu trabalho pelo prazer de trabalhar. Enquanto trabalho e vocês ficam contentes vou aumentando a minha alegria. Alegria ninguém seqüestra. Eu durmo tranqüila e sem guarda para vigiar a minha casa. Alegria só aumenta e nem precisa depositar. Ela rende juros no coração.
- Os meninos estavam gostando da fada, mas não sabiam o que pedir. Viviam tão acostumados a ter só esperança que a idéia de ter uma coisa de verdade fazia o coração ficar aflito.
- Mas a fada não desanimava. Ela sabia que menino tem tanto desejo adormecido!
E continuava:
- Peçam viagens ao centro das sementes para ver a árvore antes de nascer. Peçam ruas cobertas de músicas para o caminho ser canção. Ou, quem sabe, livros com folhas brancas para os olhos inventarem as histórias! Peçam passarinho ensinado que dorme na palma da mão... Peçam luz de luar com gosto de suspiro para que se tenha sonho doce...
- Enquanto falava, a fada lia paisagens nos olhos dos meninos.
De repente, uma voz de menina murmurou com medo:
- Eu quero uma cama para dormir. Sem cama não posso pedir sonhos.
Os meninos se calaram...
A fada, assustada, olhou no coração da menina e viu a esperança balançando.
Com gesto preciso, fez surgir, no centro da praça, uma cama de madeira polida e mais um colchão de algodão macio.
- É sua – disse a fada.
A menina, olhando de longe e com medo daquela verdade, respondeu:
- Não quero mais. Não tenho casa para guardar a cama.
A fada, sem vacilar, continuou seu trabalho, fazendo nascer, no meio da praça, uma casa, com janelas para os quatro cantos do mundo! E, dentro da casa, a cama.
A alegria engoliu os meninos, que dançavam roda em volta da casa, olhavam pelas janelas, subiam no telhado, fingiam sono sobre a cama.
“A alegria é também uma maneira de menino organizar o coração.” Pensou a fada.
No meio da brincadeira que os meninos viviam, na praça, foram aparecendo magicamente
O banqueiro
O industrial
O economista
O arquiteto
O deputado
O professor
O padre
O delegado.
Sem reparar na alegria dos meninos, o prefeito discursou:
- Senhores, a praça foi feita para o povo pensar a esperança. Não posso deixar essa casa plantada no meio dela. Como representante legítimo do povo, mandarei destruí-la.
O banqueiro perguntou ao industrial:
- Como a casa foi construída, se ninguém me pediu dinheiro emprestado?
O industrial respondeu:
- Seu material de construção não foi comprado na minha indústria. É contrabando.
O economista disse:
- Não fui consultado sobre os preços da construção.
O político discursou:
- Minha gente, eu não usei minhas Medidas Provisórias.
O arquiteto contou que não recebeu nenhuma encomenda do projeto e o professor lamentou a falta de cultura do povo.
O padre apenas rezou:
- Santo Deus!
E o delegado, que tudo ouviu, apenas ordenou aos soldados:
- Prendam imediatamente a pessoa que desobedeceu à lei.
O grito do delegado fez a tristeza visitar a cara dos meninos. Então Maria, fada presa na Terra, falou com os olhos um segredo no pensamento de cada um deles.
Eles entenderam tão bem que o sorriso tomou conta do corpo inteiro deles, menos do ódio dos soldados. Mas a fada olhou para todos, na praça, de maneira tão desarmada que desarmou até os guardas.
Ela partiu rua acima, carregando um coração muito livre mais um policial de cada lado.
Maria, deixada numa cela com janela quadriculada, passou em revista o mundo. Um pensamento quadrado entrou pelas grades:
“O mundo pertence agora aos mágicos e só eles pensam poder modifica-lo.”
A fada compreendeu por que era importante, para os mágicos, os meninos terem esperança. A esperança é uma coisa que sempre espera e nada faz.
Enquanto Maria pensava, os meninos dormiam e sonhavam verdades que só eles e a fada podem sonhar. Nem o barulho das máquinas derrubando a casa da praça incomodava o sono.
No outro dia, os meninos acordaram mais donos do segredo. Saíram cedo para os seus deveres, evitando passar pela praça. Não era mais preciso pensar a esperança nem ver a casa destruída.
Maria foi levada para sala de interrogatório. Assentou-se diante do delegado e ouviu a seguinte sentença:
- Fada não é nome nem sobrenome. Entrou na cidade sem passaporte, sem carteira de identidade, sem carteira profissional, sem título de eleitor, sem cartão de crédito e CPF. Não tem endereço de residência nem CEP e diz ter como profissão realizar desejos. Não é filiada a nenhum sindicato e ensinou menino a ler e a escrever sem técnica de professor. Construiu casa sem empréstimo, avalista e projeto, em lugar proibido. Falou mal da esperança. Contou segredo no coração dos meninos. Sorriu no momento da prisão, desrespeitando as autoridades. Com certeza não foi informada de que vivemos numa democracia. Por tudo, Maria do Céu é culpada e permanecerá presa até que se prove o contrário.
A fada não entendeu nada. Era a primeira vez que escutava um adulto. Apenas pensou: “São mágicos e ainda falam outra língua”.
Maria, idéia condenada, usou, naquela noite, os seus poderes de fada. Virou vaga-lume. Passou pelas grades e sobrevoou a cidade. Visitou cada menino e entrou em seu sonho. Viu que todos sonhavam com cidades onde a fantasia era possível e necessária. Cidades onde as fadas moravam sem causar medo. Lugares onde a esperança não durava mais que meio-dia. Cidades sem mágicos e magias, mas cheias de encantamentos.
O sonho dos meninos alegrou a fada-madrinha, que naquela madrugada partiu para outra parte do mundo. Se exilou, talvez, em outras terras.
O certo é que Maria do Céu passou pela Terra em forma de fada e vestida de anjo, mas só alguns viram. Passou breve, deixando com os meninos uma idéia que trouxe do azul. Chegou como um arco-íris sem aviso.
Desde a manhã do dia seguinte até hoje, todos da cidade procuram a fada. Alguns acreditam que ela trocou de nome, vestiu-se com outros panos e vive na cidade. Outros afirmam que ela virou professora e ensina às crianças como se defender dos mágicos.
Mas as crianças, que sabem do segredo, reparam na procura dos adultos e sorriem. Quando alguém, impaciente e ameaçado com o desaparecimento da fada, pergunta a um menino qual é o segredo que ela soprou, ele responde:
- Amanhã eu falo.
Amanhã eu falo.
Eu penso que Maria do Céu poderá voltar a qualquer momento, sem aviso, e que só os mais atentos a verão. Mas os meninos não confirmam a minha idéia.

Este é um texto para ser Assimilado; Compreendido; Refletido e Transformado...

Fonte: QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. Ontem tem bruxa tem fada... São Paulo: Moderna, 1983.


QUESTIONÁRIO CRÍTICO-REFLEXIVO SOBRE A LEITURA DO TEXTO: ONDE TEM BRUXA TEM FADA...
Professora Sany Rios
I-1) Por que Maria do Céu causou tantas opiniões diferentes em relação à sua aparência, logo chegou?

IC-2) Logo na 1a página Maria do Céu percebe que “outros mágicos tinham invadido a Terra e faziam coisas incríveis”. Quem seriam eles? Por que receberam o nome de mágicos?

IC-3) Por que “os doutores” hospitalizaram o menino que tinha aprendido a ler e a escrever sozinho? Que tipo de ameaça ele representava?

C-4) Que tipo de interpretação crítica podemos fazer acerca da seguinte idéia de Maria do Céu: “Menino só pode saber das coisas que já foram testadas pelos adultos”.

I-5) O que o autor quis nos dizer com frase: “Naquela noite, o silêncio não deixou Maria dormir”.

IC-6) O que o autor quis nos dizer com as frases: “Pensou e viu que só se pode ser fada na Terra. Ser idéia no céu não adianta nada. É como ser homem sem corpo na Terra”.

I-7) Por que inicialmente Maria do Céu pensou em ir embora da Terra, mas depois desistiu?

I-8) Sempre compreendemos a Esperança como algo bom que nos alivia e conforta, mas, no texto em análise, a palavra esperança encerra um outro sentido. Que sentido seria esse? Justifique sua resposta.

C-9) Após ter pedido à fada uma cama, a menina desiste do pedido, pois não tem casa para guardar a cama. A que tipo de situação social essa passagem do texto nos remete? Comente.

C-10) Na 4a página o texto sugere que “sem reparar na alegria dos meninos” vários mágicos começam a discursar. A que tipo de reflexão-crítica o conjunto desses discursos nos leva? Por quê?

I-11) De acordo com o texto, quais desses personagens (o banqueiro, o industrial, o economista, o arquiteto, o deputado, o professor, o padre, o delegado) poderiam ser considerados mágicos? Por quê?

C-12) Você acredita na veracidade da frase: “O mundo pertence agora aos mágicos e só eles pensam poder modifica-lo”.? Argumente.

C-13) Que tipo de análise crítico-interpretativa podemos fazer acerca da sentença descrita na sala de interrogatório? Justifique sua resposta.

C-14) Será que também podíamos chamar Maria do Céu, de Esperança? Por quê?

C-15) O texto sugere que Maria do Céu voltará, mas que só os mais atentos a verão. Você concorda? Argumente.

C-16) Maria do Céu contou um certo segredo que mudou a vida das crianças. Que segredo seria esse? Justifique sua resposta.

C-17) Sob que aspecto a leitura desse texto poderia ser importante para alunos e professores? Argumente.


1
O que os olhos não vêem
Ruth Rocha
Havia uma vez um rei
num reino muito distante;
que vivia em seu palácio
com toda a corte reinante.
Reinar para ele era fácil,
ele gostava bastante.

Mas um dia, coisa estranha!
Como foi que aconteceu?
Com tristeza do seu povo
nosso rei adoeceu.
De uma doença esquisita,
toda gente, muito aflita,
de repente percebeu...

Pessoas grandes e fortes
o rei enxergava bem.
Mas se fossem pequeninas,
e se falassem baixinho,
o rei não via ninguém.

Por isso, seus funcionários
tinham de ser escolhidos
entre os grandes e falantes,
sempre muito bem nutridos.
Que tivessem muita força,
e que fossem bem nascidos.
E assim, quem fosse pequeno,
da voz fraca, mal vestido,
não conseguia ser visto.
E nunca, nunca era ouvido.

O rei não fazia nada
contra tal situação;
pois nem mesmo acreditava
nessa modificação.
E se não via os pequenos
e sua voz não escutava,
por mais que eles reclamassem
o rei nem mesmo notava.

E o pior é que a doença
num instante se espalhou.
Quem vivia junto ao rei
logo a doença pegou.
E os ministros e os soldados,
funcionários e agregados,
2
toda essa gente cegou.

De uma cegueira terrível,
que até parecia incrível
de um vivente acreditar,
que os mesmos olhos que viam
pessoas grandes e fortes,
as pessoas pequeninas
não podiam enxergar.

E se, no meio do povo,
nascia algum grandalhão,
era logo convidado
para ser o assistente
de algum grande figurão.
Ou senão, pra ter patente
de tenente ou capitão.
E logo que ele chegava,
no palácio se instalava;
e a doença, bem depressa,
no tal grandalhão pegava.

Todas aquelas pessoas,
com quem ele convivia,
que ele tão bem enxergava,
cuja voz tão bem ouvia,
como num encantamento,
ele agora não tomava
o menor conhecimento...

Seria até engraçado
se não fosse muito triste;
como tanta coisa estranha
que por este mundo existe.

E o povo foi desprezado,
pouco a pouco, lentamente.
Enquanto que o próprio rei
vivia muito contente;
pois o que os olhos não vêem,
nosso coração não sente.

E o povo foi percebendo
que estava sendo esquecido;
que trabalhava bastante,
mas que nunca era atendido;
que por mais que se esforçasse
não era reconhecido.

Cada pessoa do povo
3
foi chegando à convicção,
que eles mesmos é que tinham
que encontrar a solução
pra terminar a tragédia.
Pois quem monta na garupa
não pega nunca na rédea!

Eles então se juntaram,
discutiram, planejaram;
e chegaram à conclusão
que se a voz de um era fraca,
juntando as vozes de todos
mais parecia um trovão.

E se todos, tão pequenos,
fizessem pernas de pau,
então ficariam grandes;
e no palácio real
seriam todos avistados
ouviriam os seus brados
seria como um sinal.

E todos juntos, unidos,
fazendo muito alarido
seguiram pra capital.
Agora, todos bem altos
nas suas pernas de pau.
Enquanto isso, nosso rei
continuava contente.
Pois o que os olhos não vêem
nosso coração não sente...

Mas de repente, que coisa!
Que ruído tão possante!
Uma voz tão alta assim
só pode ser um gigante!
- Vamos olhar na muralha.
- Ai, São Sinfrônio, me valha
neste momento terrível!
Que coisa tão grande é esta
que parece uma floresta?
Mas que multidão incrível!

E os barões e os cavaleiros,
ministros e camareiros,
damas, valetes e o rei,
tremiam como geléia
daquela grande assembléia,
como eu nunca imaginei!

4
E os grandes, antes tão fortes,
que pareciam suportes
da própria casa real;
agora tinham xiliques
e cheios de tremeliques
fugiam da capital.

O povo estava espantado
pois nunca tinha pensado
em causar tão confusão,
só queriam ser ouvidos
ser vistos e recebidos
sem maior complicação.

E agora os nobres fugiam,
apavorados corriam
de medo daquela gente.
E o rei corria na frente,
dizendo que desistia
de seus poderes reais.
Se governar era aquilo
ele não queria mais!

Eu vou parar por aqui
a história que estou contando.
O que se seguiu depois
cada um vá inventando.
Se apareceu novo rei
ou se o povo está mandando,
na verdade não faz mal.
Que todos naquela reino
guardam muito bem guardadas
as suas pernas de pau.

Pois temem que seu governo
possa cegar de repente.
E eles sabem muito bem
que quando os olhos não vêem
nosso coração não sente.


Fonte: ROCHA, Ruth. O que os olhos não vêem. Rio de Janeiro: Salamandra, 1994.


QUESTIONÁRIO CRÍTICO-REFLEXIVO SOBRE A LEITURA DO TEXTO: O que os olhos não vêem; de Ruth Rocha


PARTE I - O ATO DE INQUIRIR (ORAL)

1) Este texto foi integralmente transcrito de um livro de Literatura Infantil, sabendo disso, que tipo de previsões poderíamos fazer?


2) Você já ouviu falar na autora? Se a resposta for positiva relate oralmente o que sabe sobre ela.

3) Que tipo de expectativa(s) o fato dessa obra já ter alcançado o Record de mais de um milhão de exemplares vendidos, pode gerar em você?

4) O título do texto remete a algum tipo de lembrança? Parecer ser conhecido?

5) A exemplo de nossa literatura de cordel, esse texto também foi escrito em versos redondilhos. O acréscimo desta informação altera de alguma forma as expectativas geradas até aqui?
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PAUSA

PARTE II – LEITURA DO TEXTO
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PARTE III – ETAPAS DE PROCESSAMENTO DA LEITURA PROFICIENTE
Nível Literal (devem ser respondidas com as palavras do texto)
1) (L) – Que tipo de doença o rei tinha?

2) (L) – Por que o povo foi desprezado?

3) (L) – O que acontecia quando nascia um grandalhão no meio do povo?

4) (L) – Por que o povo percebeu que estava sendo esquecido?

5) (L) – Como foi encontrada a solução para o problema?

6) (L) – Por que os nobres fugiram?

7) (L) – Por que o povo se espantou com a fuga dos nobres?

8) (L) – Por que, “na verdade não faz mal”, qualquer que seja o final dessa história?

Nível Interpretativo (devem ser respondidas a partir das entrelinhas do texto e das reflexões do leitor)
9) (I) – Por que o rei achava fácil governar?

10) (I) – Por que, mesmo os grandalhões nascidos no meio do povo, logo pegavam a “doença real”?

11) (I) – O que o ditado popular: “o que os olhos não vêem, nosso coração não sente”, tem a ver com a história?

12) (I) – Por que o povo percebeu que: “quem monta na garupa não pega na rédea”?

13) (I) – Qual a importância da união do povo?

14) (I) – Qual(is) o(s) motivo(s) dos xiliques e tremeliques dos nobres?

15) (I) – Qual a importância das pernas de pau estarem sempre presentes na vida daquele povo?

Nível Crítico (devem ser respondidas através da extrapolação do texto para a realidade)
16) (C) – Se estivéssemos em ano eleitoral, simbolicamente, como estariam representadas nossas “pernas de pau”?

17) (C) – Que principal tipo de doença vem contaminando nossos políticos atualmente?

18) (C) – Enquanto estudantes (universitários ou não), também estamos contaminados com algum tipo de “doença comodista”, a exemplo de nosso simbólico rei?

19) (C) – Será que essa mesma doença, também, influencia na maneira como votamos?

20) (C) – Poderíamos dizer que, na verdade, a doença do rei não era nem um pouco ruim para ele? Justifique?

Sugestões da professora Sany
Postados por Joelma